Não foi sem motivo que me demiti do gabinete do então Deputado Federal Cleto Falcão, líder do PRN. O caso é que eu queria cozinhar.
Me afastei do Congresso, do Palácio e da República de Alagoas por que gostava mesmo era de panelas.
Collor caiu e lá pelos mil novecentos e Itamar resolvi abrir um restaurante em Brasília. Numa pequena lanchonete na 204 Sul, meu sonho cabia direitinho. Nove mesas um longo balcão e uma decoração a lá Pub Inglês, parecia resolver a parada.
Eu pretendi fazer uma homenagem ao Senhor Diretas, Doutor Ulisses, e batizaria a casa de Ulisses quando o meu irmão e parceiro Gilberto Braga me disse:
– Parece covardia, chama logo de Dr. Ulisses que ninguém vai ter dúvida.
Acatei à lógica.
A comida era excelente, o atendimento perfeito, era ponto de autoridades e dos donos dos melhores restaurantes de Brasília. Até o governo Fernando Henrique a casa foi sucesso.
Tou lá eu trabalhando numa noite quente de verão do Cerrado quando o único garçom que trabalhava na casa, César, um cara performático que dava conta de toda a clientela das mesas me puxou no canto e disse:
– Tem um galego enorme ali, de olho azul e acompanhado de um sujeito com cara de vendedor de tapete persa, querendo saber quem é o dono da casa.
Sendo o dono, como era eu, me dirigi até a mesa mais ao fundo, pra ver qual era o problema.
– O que se come de bom aqui? – perguntou o “galego”.
Quando voltei a mesa, com dois filés altos com molho de Cassis, arroz aromatizado com ervas e provolone ele tornou:
– E você? Bebe o que?
Voltei com uma dose de Conhaque Macieira cinco estrelas.
– Senta aí. – sentei – Foi você que elegeu o Collor? – perguntou me olhando nos olhos.
Naquela altura do campeonato eu não tinha mais certeza de nada. Eu só queria grelhar meus filés e criar meu molhos para as pastas.
– Prestei meus serviços ao Presidente sim meu amigo.
O talvez vendedor de tapetes persas me fuzilava com os olhos negros enquanto o “galego” se deliciava com meu filé. A noite passou rápido em papos amenos.
Uma e meia da manhã pediram e pagaram a conta e eu os acompanhei até a saída. Apontando os olhos de azul-claro para os meus o gigante disse:
– Tu sabes que fiz campanha pro Collor mas nunca falei com ele e nem o vi?
Perto da porta, sobre a quina do balção de madeira grossa, eu tinha um daqueles telefones pretos antigos, de Baquelite, que funcionava. Eu já meio embriagado pelo Macieira ou pelo desafio perguntei:
– Quer falar com ele? – saquei o pesado telefone do gancho e liguei na maior cara de pau – É David Sento-Sé e gostaria de falar com o presidente.
O ajudante de ordens transferiu a ligação para o gabinete do presidente as uma e meia da manhã. Eu, que estava tentando me exibir, estava na verdade me cagando de medo.
– Trás ele aqui amanhã, umas onze horas pra gente conversar David.
Umas dez da manhã, na porta da minha casinha geminada nas 700 Norte, parou um carrão preto importado. Se o cara vendia tapetes ou não, não sei, mas tive certeza que ele ganhava uma grana preta. Junto com ele o “galego”.
Casa da Dinda coisa e tal, abre potão, cerca e recepção, mas esperamos quase nada.
O presidente Collor sempre foi formal. Apertou as nossas mãos sem dispensar sorrisos, até que o “galego” disse:
– Presidente, eu quero ser governador do meu estado e estava pensando em contratar esse rapaz pra fazer minha campanha.
Collor estava cercado de fotos dos seus encontros com grandes estadistas da contemporaneidade. De gravata, cerimonioso e sem maneios. Perguntou sem piscar “De qual estado o senhor quer ser governador?”
O “galego” disse:
– Do Acre presidente.
Após perguntar sobre vários personagens da política acriana, como se tivesse passado a manhã estudando a política do momento, Collor proferiu:
– Leve o rapaz meu amigo, mas devolva. Ainda vou precisar dele no futuro.
Deixamos a Casa da Dinda e fomos almoçar escondendo os pequenos sorrisos.
Deixei de grelhar meus filés por um tempo. Orleir Cameli, o “galego” de olhos azuis como uma piscina, iria se transformar no Governador do Acre que mudou paradigmas e conceitos na política acriana. O Bardawil, que não vendia tapetes, ainda desfilou muito com carros importados, porém nunca mais eu vi.
Vim e vivo no Acre desde então, Não ceio que o Collor ainda precise de mim. Só sei que tenho profundas saudades daquele “galego” transparente e do papo bom e animado daquele que não vendia tapetes.