Empreendedores do Amapá estão transformando o descarte do caroço de açaí em oportunidades econômicas e ambientais. O fruto, símbolo da Amazônia, tem apenas 30% de sua composição aproveitada para consumo, enquanto os 70% restantes, antes sem utilidade comercial, vêm se tornando base para produtos inovadores, como bebidas, carvão ecológico e fertilizantes naturais.
A empresária Valda Gonçalves, do município de Santana, criou a Engenho Café de Açaí a partir da necessidade de dar destino ao resíduo gerado em sua despolpadeira. A solução resultou em uma bebida feita com o caroço torrado e moído, preparada como café e vendida em pó, cápsulas e blends com café tradicional. A fábrica utiliza 17 toneladas de caroços para produzir 12 toneladas do “café” de açaí por mês, envolvendo mil famílias cooperadas que fornecem o material com certificação ambiental. “Me sinto privilegiada em pegar algo que era resíduo e transformar em um produto tão gigantesco. Hoje levamos uma bebida saudável, sem cafeína e cheia de propriedades energizantes para a mesa do consumidor — e ainda beneficiamos a natureza”, afirmou Valda.
Na mesma linha, o empreendedor Alex Pascoal fundou a Carvão de Açaí, empresa que produz carvão ecológico a partir do caroço do fruto. A iniciativa surgiu da busca por alternativas ao carvão vegetal convencional. A empresa utiliza até 50 toneladas de caroço para fabricar entre cinco e seis toneladas mensais do produto, que tem baixa emissão de fumaça e longa duração. “Nossa proposta é clara: produzir um carvão melhor que o vegetal, sem desmatamento e sem poluir. Hoje, não usamos madeira, e o forno ecológico evita a emissão de gases. É inovação com consciência ambiental”, explicou Alex. O negócio conquistou o terceiro lugar no programa Inova Amazônia 2024, apoiado pelo Sebrae, e já exporta para a Guiana Francesa.
Outra iniciativa amapaense é a Amazon BioFert, criada pelos engenheiros agrônomos Wesley Resplande e Thyago Monteiro. A empresa transforma os caroços em biochar, um fertilizante natural que melhora a qualidade do solo e contribui para o sequestro de carbono. Cada tonelada de caroço gera 250 quilos de biochar, e desde 2022 já foram reaproveitadas mais de 150 toneladas de resíduos. A produção mensal chega a 93 toneladas, com parcerias com Sebrae, Embrapa e Senai. “Transformamos esse problema em um ativo de alto valor agregado, com potencial para mudar a forma como produzimos, cuidamos do solo e enfrentamos as mudanças climáticas”, disse Thyago.
Um levantamento realizado em 2019 por universidades do Amapá e a Embrapa revelou que o caroço de açaí tem alto potencial para produção de adubo, mas ainda é descartado de forma inadequada. Nos municípios de Macapá e Santana, cerca de 24 toneladas são jogadas fora diariamente, grande parte em terrenos e corpos d’água.
As experiências do Amapá indicam o potencial da bioeconomia amazônica como alternativa para agregar valor às cadeias produtivas tradicionais e reduzir impactos ambientais, com geração de renda e fortalecimento de pequenos negócios locais.